4 Delimitação do objeto e método do estudo
O presente estudo consistiu na análise de múltiplos casos que foi executado em três diferentes unidades de análise do Estado do Rio Grande do Sul e para o qual foram buscados, sistematizados e analisados dados primários e secundários representados por entrevistas, análise documental, quantidade de veículos em circulação no RS e número de passageiros transportados, cujas unidades de análise foram nomeadas como Casos α; β; e γ a fim de proteger a identidade dos entrevistados e das empresas e órgãos públicos que foram objeto de estudo.
A inovação, neste trabalho, segue o pensamento de Tether (2005) que argumenta que a inovação é um efeito, que ela não existe por si (a inovação per si não existe), a inovação é o efeito causado por algum novo meio tecnológico, nova ideia, nova forma de proceder, aplicação diferente de algo existente que causa transformações benéficas para organizações ou sociedade e que tenha resultados econômicos ou sociais mensuráveis. Na argumentação final deste trabalho será utilizada a premissa descrita acima como norteadora das considerações finais.
A pesquisa executada teve caráter qualitativo e de natureza exploratória. A definição desse modelo é indicada porque o caráter exploratório é apropriado para aprofundar a compreensão dos aspectos que compõem o cenário organizacional, que é o palco das interações estudadas (HAIR, et al., 2005). A abordagem exploratória é fundamental para identificar variáveis que não sejam conhecidas ou não estejam totalmente definidas (COOPER e SCHINDLER, 2003). Nos casos estudados havia baixa ocorrência de trabalhos científicos que permitissem a definição à priori das variáveis intervenientes, portanto fez-se necessário coletar dados primários e secundários para identificar as variáveis intervenientes e explicativas para os objetivos propostos.
Outra razão para a pesquisa ser de natureza exploratória deve-se ao tema ser dotado de intangibilidade o que torna difícil formular hipóteses precisas e operacionalizáveis sobre a mesma a priori (GIL, 2002). Dados de natureza qualitativa combinados com dados secundários extrapolam as fronteiras rigidamente delineadas pelos instrumentos quantitativos de coleta de dados, permitindo o aprofundamento dos estudos e a descoberta de novas variáveis e aspectos intangíveis que podem ser relatados a partir da combinação de enfoques metodológicos (HAIR, et al., 2005).
A lógica subjacente ao uso de estudo de casos múltiplos é igual ao caso único e ambos devem ser cuidadosamente selecionados de forma a: (a) prever resultados semelhantes (uma replicação literal); ou (b) produzir resultados contrastantes apenas por razões previsíveis (uma replicação teórica). As provas conclusivas de casos múltiplos são consideradas mais convincentes e o estudo global é visto, por conseguinte, como sendo mais robusto (YIN, 2001).
Para facilitar a compilação dos dados de natureza qualitativa foi utilizada análise de conteúdo, com o objetivo de identificar e agrupar as informações para a avaliação do tema e casos múltiplos propostos. O presente trabalho optou por utilizar como método de investigação e de estudo a análise de conteúdo, por acreditar que esta metodologia de pesquisa e investigação permite descrever e interpretar o conteúdo de todas as classes de texto (BARDIN, 1977).
Compreender um evento a partir dos significados atribuídos pelos membros da organização exige que o pesquisador adquira um profundo conhecimento a respeito do comportamento dos entrevistados. De acordo com Bauer e Gaskell (2002), a análise de conteúdo pode ser compreendida como uma técnica para produzir inferências de um texto focal para seu contexto social com construtos objetivos, confrontado-os com elementos conceituais (YIN, 2005).
As etapas de realização da análise de conteúdo das entrevistas, documentos e dados secundários (interpretados e descritos na forma de texto) foram agrupadas nas categorias selecionadas, de forma a possibilitar a verificação dos fatores competitivos nos três casos selecionados. Utilizando como base Bardin (1977), Bauer e Gaskel (2002), Godoi (1995), Moraes (1999), Richardson (1999) e Simões (1991) a análise de conteúdo foi realizada em cinco etapas: a) Delineamento: utilizando as teorias sobre o tema, nas quais foram construídas as categorias de análise; b) Pré-análise: consistiu da análise prévia dos materiais coletados; c) Análise material: categorização dos dados; d) Tratamento dos dados: extraiu-se dos dados palavras-chave que representassem o conteúdo do texto; e) Julgamento da validade: as análises foram validadas pela relação teoria versus dados empíricos gerando as considerações sobre a pesquisa e f) Agrupamento: as informações coletadas dos três casos foram agrupadas por categorias (Figura 2).
Figura 2: Exemplo da formação de categoria
Após serem agrupadas em cada categoria, as informações foram descritas de forma a representar cada fator competitivo considerado neste estudo e que passaram a fornecer subsídios empírico-teóricos para tecer considerações a respeitos dos casos (o quadro 05 descreve os agentes nos casos estudados).
AGENTES NOS CASOS ESTUDADOS |
Organização |
Descrição |
Associação de Transportadores |
Instituições que existem nas cidades analisadas há mais de 10 anos, com o objetivo de congregar as empresas transportadoras, comercializar vales-transportes e passagens escolares, representá-las perante o Poder Concedente, sindicatos e público em geral. As Associações também se encarregam de prover soluções e apoio logístico e operacional as associadas e soluções baseadas em tecnologia. |
Consórcio Gestor |
Corresponde a estrutura organizacional montada para gerenciar operacionalmente o sistema de bilhetagem eletrônica o qual é integrado por profissionais das próprias empresas e por funcionários contratados. Esta organização está ligada diretamente a Associação dos transportadores e a ela se reporta hierarquicamente. |
Consórcio |
Os consórcios são a nomenclatura utilizada para descrever as operações conjuntas das empresas transportadoras que passam a operar com ônibus padronizados em uma mesma região. Neste caso os consórcios estão presentes nos Casos α e γ. |
Empresas transportadoras |
Neste estudo, corresponde às empresas transportadoras de passageiros dos casos analisados. Nenhuma destas foi identificada pelos nomes-fantasia ou mesmo razão social para preservar a identificação. |
Poder Concedente |
Corresponde às empresas públicas, agências reguladoras e prefeituras, representadas pelas secretarias de transporte, que se encarregam de normatizar e supervisionar a execução dos serviços de transporte público nas cidades abrangidas. |
Quadro 5: Agentes nos casos estudados
O presente estudo foi desenvolvido a partir das Associações que congregam as empresas transportadoras de passageiros dos casos selecionados. Tendo como ponto de partida, foram entrevistados gestores das Associações, das empresas associadas e representantes do Poder Concedente (o quadro 6 descreve os respectivos entrevistados). A bilhetagem eletrônica foi desenvolvida como uma evolução dos cartões de crédito com tarja magnética, devido a preocupações com ineficiências na gestão das informações e controle de operações de transporte público. A plataforma tecnológica realiza o cadastro dos usuários, controla as operações de venda de vale-transporte, realiza a carga de créditos a bordo do ônibus e emite os relatórios gerenciais permitindo o monitoramento mais preciso dos dados. Com a implantação do novo sistema deixa de existir o vale-transporte de papel ou mesmo de fichas plásticas existindo apenas o crédito em Reais que poderá ser utilizado em qualquer das empresas que operam com a mesma plataforma. Os créditos, após serem utilizados pelos usuários nos ônibus, são encaminhados à empresa de transporte na qual foram gastos em Reais via compensação bancária, pelo controle central do sistema. O cartão dos usuários mantém as informações neles armazenadas e sua leitura é realizada em equipamentos específicos, chamados de validadores, que estão instalados ao lado da catraca do ônibus e a destravam mediante o pagamento com o cartão. Estes sistemas de bilhetagem eletrônica têm como foco diminuir as ineficiências operacionais de controles dos sistemas tradicionais de vale-transporte (LUBECK et al., 2009; LUBECK et al., 2008).
UNIDADES DE ANÁLISE |
Item |
Entrevistados |
Caso α |
Gerente executivo da Associação dos transportadores; presidente da Associação; Representante do Poder Concedente. |
Caso β |
Gerente executivo da Associação dos transportadores; Gerente de TI do Consórcio Gestor; Gerente do Consórcio Gestor; Gerente operacional da Empresa Transportadora 1; Gerente operacional da Empresa Transportadora 2; Diretor executivo da Empresa Transportadora 2; Diretor do Poder Concedente. |
Caso γ |
Gerente executivo da Associação dos transportadores; Diretor do Poder Concedente; Gerente operacional da Empresa transportadora 1; Gerente operacional da Empresa transportadora 2; Gerente operacional da Empresa transportadora 3. |
Quadro 6: Unidades de análise
Os casos analisados neste trabalho estão descritos no Quadro 7. Apesar de localizarem-se em diferentes cidades e dois dos casos em cidades conturbadas e regidas, que, embora possuam distintas legislações nas quais o Poder Concedente é formado por órgãos públicos não interligados, as realidades são semelhantes. Tal fator atende a um dos supostos de Yin (2001) nos estudos de casos múltiplos fazendo deste estudo uma replicação literal.
Para facilitar a compilação dos dados de natureza qualitativa, as análises de conteúdo tiveram por objetivo identificar e agrupar as informações para permitir a avaliação dos casos múltiplos propostos em todas as classes de texto (BARDIN, 1977). De acordo com Bauer e Gaskell (2002), análises de conteúdo podem ser compreendidas como uma técnica para produzir inferências de um texto focal para seu contexto social.
DESCRIÇÃO DOS CASOS ANALISADOS |
Caso |
Descrição |
α |
Cidade localizada no centro do Rio Grande do Sul com cerca de 300.000 habitantes fixos de economia baseada no setor de serviços públicos, em especial no ensino universitário e nas forças armadas. As empresas de transporte público estudadas nesta cidade realizam o transporte de passageiros no limite urbano do município e são supervisionadas pela prefeitura municipal. O sistema de bilhetagem, durante a pesquisa, estava em fase inicial de implantação no ano de 2010, portanto neste município foi analisada apenas a situação ex-ante. |
β |
Abrange mais de 20 municípios no entorno da capital do Estado do Rio Grande do Sul (há divergências na contagem dos municípios dependendo da fonte de consulta) que concentram uma população aproximada de 1.500.000 habitantes e de economia bastante diversificada. As empresas de transporte público selecionadas para este estudo realizam o transporte de passageiros em seus municípios e também destes para a capital do Estado. Para fins desta pesquisa foram analisadas as empresas que se reuniram em um consórcio, com intermédio de uma Associação de transportadores e implementaram o sistema tanto para o transporte interno em seus municípios de origem quanto no transporte até a capital do Estado. |
γ |
Cidade com maior população do Rio Grande do Sul com cerca de 1400.000 habitantes e economia predominante no setor de varejo e serviços. Os transportadores de passageiros desta cidade realizam o transporte interno no município e operam de forma consorciada desde o final da década de 1990. São três consórcios que abrangem as regiões sul, norte, sudeste-leste e mais uma empresa pública que faz a interligação dos eixos com as linhas transversais. |
Quadro 7: Descrição dos casos analisados
Os dados qualitativos analisados foram obtidos e analisados seguindo as seguintes etapas: a) construção do referencial teórico aprofundando os temas que envolvem os casos estudados; b) definição de categorias a priori; c) elaboração do instrumento de coleta de dados; d) realização da pesquisa de campo; e) análise dos dados; e f) comparação dos dados coletados com o referencial de inovação. Terminada a análise dos dados qualitativos foi realizada a análise dos dados secundários, representados por números de usuários de transporte público por ano e tipo e por dados da evolução da quantidade de veículos circulando no Estado do Rio Grande do Sul. Ressalta-se que, no Caso α o Poder Concedente afirmou, durante entrevista com o responsável pela pasta de transportes, não haver disponibilidade de tais dados, no entanto os dados fornecidos pelos Casos β e γ foram suficientes para atender os objetivos deste estudo. Os dados qualitativos e secundários foram compilados criando o relatório de casos cruzados (YIN, 2001) e, a seguir, realizou-se a etapa de análise dos dados coletados que consistiu uma comparação com as teorias sobre inovação. A descrição destas etapas está representada no Quadro 8.
MODELO DE ANÁLISE FINAL |
Etapa |
Estratégia |
O que foi realizado |
Criação do relatório de casos cruzados |
compilação das análises dos dados qualitativos e secundários |
a partir dos dados analisados criou-se uma síntese que demonstrou os ganhos obtidos com a implementação da bilhetagem eletrônica. |
Comparação dos resultados dos casos cruzados com o referencial de inovação em serviços |
resultado da compilação de dados |
partindo dos conceitos de inovação, citados no referencial teórico, comparou-se os resultados das análises de casos cruzados. |
revisão bibliográfica |
Quadro 8: Modelo de análise final
A combinação das diferentes fontes de dados empíricos possibilitou descrever um relatório de casos cruzados e compará-los com as características de inovação destacados na revisão bibliográfica deste trabalho como forma a responder adequadamente a questão da pesquisa. Os fatores elencados foram distribuídos da seguinte forma: F1) forças que influenciam a inovação: tem por objetivo a observação de cenários nos quais as inovações se desenvolvem e de que forma ocorrem; F2) definição de inovação: descrevem as características primordiais para a atribuição do adjetivo inovação a um determinado fenômeno ou prática organizacional; F3) intensidade da inovação: descreve a relevância da inovação em relação a sua capacidade transformadora; F4) inovação em processos: possibilita o entendimento de características típicas de inovações menos tangíveis; e F5) inovação em serviços: reúne as características mais relevantes atribuídas a inovações no setor da economia estudado.
Concluídas as análises de dados qualitativos e secundários foi construída a comparação entre os fatores que envolvem a inovação e os resultados da pesquisa empírica, de forma a responder os objetivos propostos. Esta etapa da pesquisa foi executada comparando-se cada fator com os resultados obtidos e a partir desta comparação foram elaboradas as considerações deste trabalho.
5. Tratamento analítico
Foram coletados dados referentes à quantidade de veículos em circulação no Rio Grande do Sul no período de 2001 a 2010 no intuito de demonstrar a substituição do transporte público pelo transporte individual. Esses, por conseguinte, foram correlacionados com os dados obtidos no Poder Concedente dos casos β e γ referentes a quantidade de passageiros transportados por ano e por tipo (isentos, passageiros com desconto e pagantes integral) com o intuito de demonstrar a qualificação dos dados ex-ante e ex-post a implantação da bilhetagem eletrônica.
Foram tomados os dados de 2005 a 2009, devido que dados anteriores a este período foram considerados como imprecisos pelo Poder Concedente e a não disponibilização dos dados referentes a 2010. Os dados apresentados dispensaram a utilização de complexos métodos de análise, visto que, para os objetivos propostos, a análise destes foi suficiente para fundamentar as considerações deste estudo.
A evolução da quantidade de veículos em circulação demonstra um crescimento aritmético do transporte individual no Estado do Rio Grande do Sul, pois o número de veículos em circulação no RS (descontados os registros de veículos extintos) cresceu 45,56% no período 2001 a 2010. No mesmo período o último censo demonstrou um crescimento populacional no Estado desproporcional ao crescimento da quantidade de veículos em circulação. A população cresceu, em relação ao último censo do ano de 2000, apenas 0,87% (IBGE, 2011). Embora esta distribuição seja em nível estadual, demonstra a priorização do transporte particular em detrimento do transporte coletivo, em especial nas unidades locacionais estudadas, pois estas se constituem em regiões nas quais o trânsito está visivelmente mais complicado devido ao aumento do fluxo de veículos particulares. Este suposto decréscimo da quantidade de passageiros utilizando o transporte público deveria refletir-se nos dados de passageiros transportados. Entretanto, os dados obtidos demonstram uma situação diferente no momento ex-post a bilhetagem eletrônica nos Casos estudados (compreende o período 2007 a 2009).
Gráfico 01: Passageiros transportados por ano e por tipo: Caso β
Fonte: Poder Concedente do Caso β (2011)
Os dados do Caso β demonstram que no ano de 2008 houve uma redução na quantidade total de passageiros transportados, redução de isentos e escolares e aumento de pagantes. No ano de 2009 houve um aumento substancial no total de passageiros transportados e de isentos e pagantes e redução substancial de escolares.
Gráfico 02: passageiros transportados por ano e por tipo: Caso γ
Fonte: Poder Concedente do Caso γ (2011)
Os dados do Caso γ demonstram que no ano de 2008 houve um aumento substancial na quantidade total de passageiros transportados e de isentos e pagantes e redução de escolares. No ano de 2009 houve um aumento de pagantes e redução de isentos e idosos e pequena variação negativa no total de passageiros transportados. |