Espacios. Espacios. Vol. 31 (1) 2010. Pág. 15

Políticas Públicas e a Inovação em Subsidiárias de Empresas Multinacionais: uma Avaliação da Lei de Informática Brasileira

Políticas Públicas y la Innovación en Subsidiarias de Empresas Multinacionales: una Evaluación de la Ley de Informática Brasileña

Public Policies and Innovation in Subsidiaries of Multinational Companies: an Assessment of the Brazilian Informatics Act

Eva Stal


4. Análise, Discussão e Conclusões

Nos artigos que descrevem o pólo tecnológico de Campinas, escritos logo após a privatização da Telebrás, percebe-se certo pessimismo, observado pelas expressões “profundo desarranjo do pólo”, “parte significativa dessas capacitações foram desperdiçadas”, “destruição do aparato institucional”, “capacitações locais acumuladas foram quase totalmente perdidas” (Souza e Garcia, 1998; Porto, Cano e Silva, 2000; Garcia, 2001).

Já os trabalhos escritos em anos seguintes (Gomes, 2003; Garcia e Roselino, 2004; Diegues e Roselino, 2006) contêm avaliações mais favoráveis sobre os rumos que o pólo tomou, atraindo empresas do setor de TIC, bem como profissionais altamente qualificados, e a continuidade das interações entre empresas, universidades e institutos públicos, fortalecidas pelas parcerias com os institutos de pesquisa privados.

A criação dos institutos pelas EMNs foi propiciada por uma condição peculiar da Lei de Informática, que exigia o investimento de um percentual do faturamento em atividades de P&D realizadas externamente. Com esta exigência, o governo pretendia direcionar recursos das empresas para as universidades e institutos públicos, que viam o orçamento federal se reduzir a cada ano. As empresas perceberam uma dupla oportunidade - como organizações sem fins lucrativos, os institutos poderiam receber recursos da empresa fundadora, de outras empresas, do governo (fundos setoriais) e, ao mesmo tempo, facilitar a interação da empresa fundadora com as universidades. Esta interação não é tranqüila, devido a diferenças de objetivos, prazos, sigilo de resultados, direitos de propriedade intelectual, burocracia, falta de interesse dos acadêmicos em realizar pesquisa aplicada e/ou desenvolvimento, entre outras.

Muitas empresas criaram, nos institutos, competências que não existiam. Em colaborações com universidades, os investimentos vão, em geral, para pesquisa básica e competências que já existem, ou seja, os projetos que a universidade desenvolve. Ao criar os institutos, as empresas tiveram a oportunidade de criar novas capacidades e definir o que iriam fazer, desenvolvendo competências para atender às demandas dos fabricantes globais, e que permanecem aqui. Esta é uma grande mudança. O MCT estimulou os institutos a se separarem fisicamente das empresas fundadoras, o que facilitou a interação com outras firmas. Com o tempo, buscaram novos clientes, a ponto de hoje terem que decidir se desenvolvem projetos para empresas concorrentes, mesmo com a proteção de contratos de confidencialidade.

Os institutos privados congregam um bom número de profissionais capacitados – 300 no Venturus, 400 no Eldorado, 100 no SIDI, 1.000 no CPqD (cerca de 5.000 em todo o país) – e constituem um novo modelo de instituição dentro do Sistema Nacional de Inovação. Muitos ex-funcionários do CpqD e do CENPRA estão hoje nos institutos privados e também nas subsidiárias das EMNs, além de criarem novas empresas, o que configura a disseminação de conhecimento no pólo.

Entretanto, alguns autores referem-se aos institutos privados de forma depreciativa (Porto, Cano e Silva, 2000; Galina, 2005; Diegues e Roselino, 2006). Sua criação é vista como resultado de uma “brecha” ou “falha” da lei de Informática, que permitiu a alocação de recursos que deveriam ser investidos em instituições de P&D públicas. Mas os resultados têm sido positivos, pois os institutos trabalham em sintonia com as empresas, que continuam a manter grupos internos de desenvolvimento; fazem a intermediação das empresas com as universidades; capacitam seus próprios profissionais e, principalmente, fazem desenvolvimento de produtos, atividade fundamental no processo de inovação tecnológica. O que ocorreu foi o surgimento de um novo tipo de organização privada, rara no país, porém presente nos países desenvolvidos.

A maioria das subsidiárias das EMNs está se concentrando nas atividades de concepção e design, desenvolvendo soluções para determinados produtos, dentro da corporação, e terceirizando a parte de produção, montagem, e algumas vezes, logística. Cada vez mais, o desenvolvimento de softwares ganha importância na inovação de produtos. Devido ao baixo custo dos investimentos em laboratórios de desenvolvimento de software, esta atividade tem grande mobilidade internacional. Ou seja, o principal fator decisório é a disponibilidade de pessoal qualificado (variável L de Dunning), caso em que a Índia e o Brasil estão se destacando entre os países emergentes (Gomes, 2003).

Os incentivos fiscais foram fundamentais para justificar a implantação de centros de desenvolvimento no Brasil. Já a decisão de consolidá-los e expandi-los ocorreu em função de desempenho, pelo desenvolvimento de competências ao longo dos anos por parte das subsidiárias, que as preparou para receber novas tarefas da matriz (Galina e Sbragia, 2004).

As filiais brasileiras têm posição privilegiada na corporação, e muitas são consideradas subsidiárias de relevância estratégica ou centros de excelência, e algumas têm mandato global para certos produtos. Sua relevância pode ser atribuída à complementaridade entre as atividades tecnológicas realizadas internamente e os desenvolvimentos terceirizados para os institutos privados. Neste caso, o determinismo ambiental é fator preponderante. Mas o governo pode aperfeiçoar as variáveis locais, influenciando tanto a perspectiva da atribuição da matriz como a perspectiva da escolha da subsidiária (Birkinshaw, Hood, Jonsson, 1998).

Instrumentos específicos como incentivos fiscais condicionados a desempenho afetam o custo dos investimentos, levando ao aumento da inovação nas empresas. E a interação entre os centros de P&D das subsidiárias e as organizações locais (universidades, institutos de pesquisa, clientes e fornecedores) permite a difusão do conhecimento, o que ocorre no pólo de Campinas.

A Lei de Informática influenciou favoravelmente a variável L do paradigma eclético, aumentando a atratividade do Brasil neste setor, e mais especificamente a da região de Campinas, com o pólo tecnológico e os incentivos locais. Ficou barato fazer atividades de desenvolvimento local e, com isso, as empresas puderam testar a qualidade dos grupos nacionais frente a outras subsidiárias, o que resultou na atração de projetos que seriam desenvolvidos em outros países. Todos os entrevistados, das empresas e dos institutos, foram unânimes em reconhecer a alta qualidade dos profissionais brasileiros para o desenvolvimento de projetos tecnológicos.

O aumento da importância da variável L em cada país influencia a decisão da empresa de instalar um centro de P&D na subsidiária local. O aumento da capacitação tecnológica resulta no fortalecimento da variável O. Assim, subsidiárias brasileiras ganharam posição destacada nas redes tecnológicas globais da corporação, atraindo projetos de P&D que poderiam ser realizados em outras subsidiárias. Com isso, há um efeito claro sobre a variável I – maior vantagem em internalizar a P&D no Brasil. Esta interdependência entre as variáveis do paradigma OLI já foi reconhecida (Cantwell e Narula, 2001).

Políticas públicas podem impulsionar a variável L, afetando as demais. Foi o que fez a Lei de Informática, que teve como resultado a geração de novas competências a partir das atividades de P&D realizadas no país pelas subsidiárias e pelos institutos privados, num processo contínuo de capacitação tecnológica. A continuidade das atividades de P&D das empresas não parece estar atrelada à existência dos incentivos, que terminam em 2019. Todos reconhecem a sua importância como impulsionador dos esforços iniciais, principalmente pela oportunidade de demonstrar a qualidade das atividades realizadas no Brasil. Mas o próprio desenvolvimento do setor já se mostrou eficaz, e os esforços de inovação por parte das empresas deverão continuar.

Os resultados deste trabalho podem contribuir para a sugestão de políticas públicas em relação a outros setores industriais. Dada a necessidade imperiosa de aumentar as atividades de inovação no país, a atuação das empresas multinacionais torna-se de enorme relevância, e a combinação de instrumentos de política pública, exigências de capacitação local e um grande mercado podem indicar um caminho sustentável de desenvolvimento tecnológico e econômico.

Referências bibliográficas

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Vol. 31 (1) 2010
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